HERÓI – Wagner Malta Tavares

HERÓI

2010

HERO

Escultura
Ventilador, aço e tecido
Foto: Denise Adams

Sculpture
Fan, steel and fabric
Photo: Denise Adams

Exposição Herói, WMT - Instituto Tomie Ohtake, 2010

HERÓI

2010

HERO

Os muitos ventos de Wagner Malta Tavares

por Rodrigo Naves

O material de Wagner Malta Tavares na exposição “Herói” talvez seja um dos mais difíceis de formalizar: o vento. No entanto, o artista consegue não apenas dar configurações diversas a esse elemento fugaz como chega a conferir-lhe significações opostas. E acredito que seja justamente a sutileza com que lida com seu material que dá à mostra uma qualidade notável.

O ventilador que infla a capa vermelha de um super-herói nos conduz ao mundo pop, onde a bravura e a coragem tornaram-se histórias em quadrinhos. Estamos no reino das imagens todo-poderosas e basta um simples atributo do Super-Homem (a capa vermelha temulante) para que o conjunto se refaça diante de nós. Esse é o vento da fantasia infanto-juvenil e também das bandeiras enfunadas do patriotismo bélico.

Mais adiante outros ares movem engenhocas irônicas e sem uso. São hélices que acionam outras hélices, num movimento caprichoso e sem sentido. Ao lado, uma asa manca tenta em vão alçar vôo. O ar que a faz oscilar tem a intermitência dos amores de novela. Ela não voará. Por todos os cantos sopra um vento forte e ruidoso, potente e inútil. Com humour, Wagner nos faz reexperimentar dilemas doídos do nosso tempo. Afinal, como diz o ditado, não há bons ventos para quem não sabe aonde ir.

No entanto, a exposição não se limita a um desencanto irônico. Nas fotografias e em dois vídeos, os elementos naturais – vento e luz – ganham uma dimensão lírica, de quem reata com o mundo sem as próteses da vida cultural pacificada. Na solidão de uma praia, pequenas velas de pano amarradas a cadeiras pedem uma aventura que, tudo indica, lhes será negada. Agitadas pela brisa, cortinas nos deixam vislumbrar uma paisagem parcial e parecem acentuar os limites da vida entre quatro paredes.

Um dos vídeos mostra uma casa no alto de um monte, com grandes cortinas movidas pelo vento. O outro registra a mesma casa do amanhecer à noite, atento às passagens que se dão entre a iluminação natural e as luzes elétricas da moradia. Dos contrastes marcados e das identidades indiscutíveis passamos a uma realidade mais complexa e matizada. Nela, torna-se difícil separar o sentimento que temos do mundo de sua verdade física, mesmo porque essa é uma realidade que deixou de supor o filtro das imagens massificadas entre ela e os indivíduos.

O sorriso que a mostra desperta advém das sutilezas que ela consegue revelar. O vento que agita capas e bandeiras pode propiciar também um contato ameno com o mundo. A asa manca que insiste inutilmente em voar tem algo dos projetos patéticos e tocantes de todos nós: largar um vício, reatar uma amizade perdida. A conversão da luz ou do vento em símbolos cristalizados diz respeito a uma parcela das possibilidades desses tempos de calmaria: a transformação da realidade em simples imagens do mundo.

Parte considerável dos debates artísticos de nossos dias tende a criar polaridades rígidas entre a subjetividade moderna e a poética “cool” de setores consideráveis da arte contemporânea. Wagner Malta Tavares resolveu por a prova essas fronteiras. A câmera fixa, inexpressiva, que registra as lentas variações de luz e os suaves movimentos do vento está apta a confirmar as identidades preguiçosas que a indústria cultural proporciona. Ao mesmo tempo em que refina seus recursos para discriminar as mais sutis variações. Afinal, a felicidade é como a pluma que o vento vai levando pelo ar...

Wagner Malta Tavares

por Agnaldo Farias

Com esta sua grande mostra individual no Instituto Tomie Ohtake, Wagner Malta Tavares, o Wagão, marca dez anos de produção intensa, dez anos tentando “tornar visíveis aspectos fundamentais e estruturais da existência”. O visitante tenderá a acreditar que ele está se referindo ao ar, mais precisamente ao vento, indubitavelmente um dos protagonistas da mostra, e que surge induzido por motores e hélices. Poderá pensar também que o artista está se referindo ao seu próprio corpo, o corpo que, caminhando pela sala, involuntariamente vai sensibilizando as células fotoéletricas responsáveis pela ativação dos mecanismos, cada qual dotado de uma intensidade particular. Mas não demorará muito até perceber que o propósito do artista não se limita a produzir objetos – esculturas? – que ultrapassam o próprio volume que ocupam no espaço, dispersando-se em ar e som, fazendo-se sentir no seu corpo, no seu rosto; uma presença invisível que, não obstante sua imaterialidade, comprime seu corpo e sua audição com o som que a acompanha. Uma presença que se pressente desde fora das salas, caso ela já esteja sendo desencadeada por algum outro visitante que o precedeu. Fosse isto já não seria pouco.Desde que John Cage abriu o espectro da música ao ambiente e que Dan Flavin propôs a luz como um modo de formular o espaço, ensejando que se adivinhasse sua presença desde longe, a assim chamada escultura abriu-se indefinidamente e a produção artística teve suas fronteiras derrubadas, permitindo-se que territórios conexos ou mesmo distantes se fecundassem mutuamente.

De olho nessas conquistas, para Wagner o problema não se encerra na dimensão perceptiva, apenas tem nele uma outra camada. Para tanto, basta que se saiba o título da exposição: Herói.O nome da peça situada ao fundo da grande sala do Instituto Tomie Ohtake, um corpo cilíndrico raso apoiado numa estrutura metálica alta: um potente ventilador industrial que, acionado, faz tremular freneticamente uma capa vermelha. Há uma boa dose de humor nessa maneira de fabricar um herói, uma versão simplicada do herói das histórias em quadrinhos, uma síntese risível produzida a partir de recursos encontráveis em lojas de materiais de construção, e que a rigor é um arremedo do nosso atávico e eterno desejo por heróis, patente na vasta genealogia da estatuária sobre o tema, nós, desde sempre sobressaltados por medos de toda sorte, ficamos a espera de quem nos proteja e, mais que isso, nos arme com a coragem necessária para seguirmos adiante.

A mostra reúne mais três esculturas, todas ligadas a produção de vento, ao ar que preenche tudo, a essa matéria no geral invisível e que nós tentamos domar na esperança vã de, com isso, liberarmos nosso peso, a evidência de que somos seres subjugados pela gravidade. É assim com a forma aparentada com uma asa de avião intitulada “Hermes”, uma homenagem ao deus grego de inteligência e movimentação notáveis, a contraposição mítica ao sedentarismo a que a maior parte de nós está condenada.

O vento, a brisa, a tempestade, são muitas as maneiras do vento. Como ensina Anibal Machado em seu memorável “O iniciado do vento”, eles podem ser maliciosos e desordeiros, calados ou cantantes, compridos, de grande velocidade ou miúdos... Em qualquer caso são sempre expressões da profunda suscetibilidade do ar em consórcio com os elementos e com a natureza. E também a notícia insofismável do tudo quanto acontece à distância, sem que os olhos se dêem conta, sem que a mente logre alcançar. O vento traz consigo, sempre, um enigma. Como os dois filmes que também compõem a exposição - “uma diversão um tormento uma ocupação”. Num dos quais vê-se, ao longo de todo um dia, uma casa solitária no alto de uma colina, uma casa singela, com seu telhado de duas águas, seu insólito conjunto de janelas verticais ritmicamente espaçadas, animada por um vento interior que expulsa intermitente e abruptamente suas cortinas por portas e janelas. Já no outro o mistério da casa é ampliado pela luz que brota do seu interior a medida em que a noite chega. Nos dois filmes a fonte da emanação mantêm-se oculta, acontece a nossa revelia.

Essa mesma casa é alvo de fotos realizadas a partir do seu interior. Através delas, de cortinas esvoaçando para fora, vê-se o efeito da força propulsora despejando-se para a paisagem, sem que se saiba sua fonte nem sua razão de ser. Ao contrário dos filmes, nessas fotos, graças ao ponto de vista subjetivo, a fonte do movimento confunde-se conosco. Será esse então o propósito do artista, quando afirma que o seu universo poético “tem por objetivo falar da finitude [...], de sua passagem para o imaginário como mecanismo de defesa e [...] apreender e transformar a inevitabilidade em luta pela vida”? A advertência de que a força que move as coisas está simultaneamente dentro e fora de nós.

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